Como
nasce uma região: a construção do Leste Fluminense a partir da implantação do Complexo
Petroquímico do Rio de Janeiro – COMPERJ
por: Natália
M. Gaspar – Ibase/RJ
Resumo:
O
objetivo deste trabalho é discutir a reconfiguração do território a partir da implantação
de grandes empreendimentos e os seus desdobramentos em relação ao tecido
organizativo local. Para tanto, a proposta é analisar o "surgimento"
de uma "região" denominada de Leste Fluminense, a partir da
instalação do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), pela
Petrobras, e da criação de um consórcio intermunicipal (Conleste) que reúne
prefeituras de 14 municípios, com expressivo apoio do governo estadual,
configurando um novo arranjo das forças políticas em torno da transformação do
território. O Comperj teve sua instalação anunciada pela Petrobras em 2006 e
constitui um dos maiores investimentos em andamento no país, de cerca de 8,4 bilhões
de reais. Trata-se de uma refinaria de padrão internacional, capaz de refinar o
petróleo pesado proveniente da Bacia de Campos e de gerar subprodutos de alto
valor agregado, condizente, portanto, com o modelo de desenvolvimento que vem
sendo implantando pelo governo federal. A intenção deste papel é abordar as
relações entre a empresa, os governos e as organizações e associações locais
diante do direcionamento de uma série de iniciativas para este conjunto de
municípios, que implicam disputas por recursos e diferentes estratégias para
lidar com os inúmeros impactos resultantes da instalação de um empreendimento
desta magnitude.
Na última
década, o Brasil tem atravessado um período de intenso crescimento econômico,
alicerçado em investimentos de grande porte direcionados a grandes empreendimentos
nos setores de infraestrutura, nas cadeias produtivas do petróleo e da mineração
e no agronegócio, boa parte deles com financiamento público, através principalmente
do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), e reunidos
pelo governo federal sob o nome de “Programa de Aceleração do Crescimento”
(PAC). Como salienta Grzybowski, a diferença em relação a períodos de
crescimento anteriores (anos 50 e anos 70, por exemplo) é que agora “a
justificativa é crescer para ter justiça social”. De fato, a redução do
percentual de pessoas vivendo na miséria (independente do critério adotado para
estabelecê-la), a ampliação do percentual da população considerada, grosso
modo, como “classe média” e o salto dos empregos com “carteira assinada” e do
valor real do salário mínimo são ganhos inquestionáveis e representam
significativa diferença em relação a períodos anteriores de crescimento econômico.
No
entanto, é cada vez mais patente a necessidade de incluir no debate as mazelas
associadas ao “modelo de desenvolvimento” que está sendo implantado – em linhas
gerais, industrialização ligada à intensa exploração de recursos naturais não renováveis
e privatização de bens comuns, urbanização e exclusão. De acordo com o GT
Combate ao Racismo Ambiental - que reúne organizações ambientalistas, trabalhistas,
comunitárias, acadêmicas e movimentos sociais - “as injustiças ambientais recaem
de forma implacável sobre grupos étnicos vulnerabilizados e sobre outras comunidades,
discriminadas por sua origem ou cor.”.
De que
maneira a antropologia pode contribuir para este debate?
A
emergência de uma nova questão pública - a preservação do meio ambiente - parece
constituir ao mesmo tempo o pano de fundo para pensar a emergência e a reformulação
de conflitos sociais e o elo entre as diversas formas de exclusão inerentes ao
modo capitalista de organização do trabalho humano e da natureza. Ao analisar a
“ambientalização dos conflitos sociais”, Leite Lopes chama a atenção, entre
outras coisas, para a necessidade de especificar a diferença dos usos e
contextos de novas palavras de aparência unânime como “meio ambiente” e
“participação”. E destaca a importância de analisar de forma etnográfica as
manifestações singulares e a diversidade de práticas dentro da
macro-instituição que chamamos de estado (2004:35).
A eclosão
de conflitos ambientais em decorrência da implantação de grandes empreendimentos,
de acordo com Acselrad, deve ser analisada enquanto dinâmica conflitiva própria
do modelo de desenvolvimento em curso e constitui uma das formas encontradas
por organizações e grupos para contestar a distribuição de poder sobre o território
e seus recursos. A denúncia da prevalência da “desigualdade ambiental” traz à tona
a maneira pela qual os custos ambientais são transferidos para grupos de menor renda
e menos capazes de se fazer ouvir nas esferas de decisão (2004: 21).
O
objetivo deste trabalho é discutir, de uma perspectiva antropológica, a reconfiguração
do território a partir da implantação de grandes empreendimentos e os seus
desdobramentos em relação ao tecido organizativo local. Foi elaborado a partir
da minha inserção como pesquisadora da Organização Não Governamental (Ong)
Instituto Brasileiro de Análises Econômicas e Sociais (Ibase) em dois
diferentes projetos.
Primeiramente,
coordenei projeto financiado por organização internacional voltada para a
transparência (Revenue Watch Institute), que tem por objetivo o fortalecimento
do controle social e a qualificação do debate público nos setores de petróleo e
mineração.
No âmbito
deste projeto, desenvolvi estudo de caso sobre o controle social no processo de
licenciamento ambiental, a partir dos casos do Comperj e da TK-Csa (siderúrgica
implantada pela joint venture Thyssenkrupp/Vale no município do Rio de
Janeiro). Em seguida, passei a atuar como pesquisadora no projeto Indicadores
da Cidadania – Incid, financiado pela Petrobras e destinado a 14 municípios que
integram o consórcio intermunicipal do Leste Fluminense (Conleste – hoje
constituído por 15 municípios). Minhas atividades neste projeto, até agora,
consistiram principalmente na formulação de indicadores a partir de dados
secundários e na realização de uma pesquisa amostral de fluxo com questionário
fechado a respeito da percepção da população sobre questões relacionadas à
cidadania.
A
proposta deste trabalho é analisar o "surgimento" de uma
"região" denominada de Leste Fluminense. A partir da instalação do
Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), pela Petrobras, e da criação
de um consórcio intermunicipal (Conleste) que reúne prefeituras de 15
municípios, com expressivo apoio do governo estadual, o Leste Fluminense
expressa um novo arranjo das forças políticas em torno da transformação do
território. Este rearranjo se insere na convergência de diferentes interesses
para a consolidação do estado do Rio de Janeiro como uma unidade federativa que
agrega as diferentes fases da cadeia produtiva do petróleo – extração, refino e
produção de bens de consumo.
O Comperj
teve sua instalação anunciada pela Petrobras em 2006 e constitui um dos maiores
investimentos em andamento no país, de cerca de 8,4 bilhões de reais.
Trata-se
de uma refinaria de padrão internacional, capaz de refinar o petróleo pesado proveniente
da Bacia de Campos e de gerar subprodutos de alto valor agregado, condizente,
portanto, com o modelo de desenvolvimento que vem sendo implantando pelo
governo federal. Ademais, é a principal obra do PAC no estado do Rio de Janeiro
e conta com robusto financiamento do BNDES.
A partir
de 2006, ano do anúncio pela Petrobras da instalação do Comperj no município de
Itaboraí (RJ), uma nova configuração regional começa a se delinear. Ao final
daquele ano, a constituição do Consórcio Intermunicipal pelo Desenvolvimento do
Leste Fluminense – o Conleste -, amplamente apoiada ou mesmo estimulada pelo governo
do estado, veio a evidenciar um esforço no sentido da instituição deste novo recorte
regional.
Até
então, os 15 municípios que hoje integram o Conleste ainda não haviam sido agrupados
por nenhum recorte regional oficial, enquadrando-se em diferentes regiões.
Por
exemplo, segundo do IBGE, distribuem-se por 3 mesorregiões geográficas do estado
do Rio de Janeiro – Baixadas, Centro Fluminense e Metropolitana do Rio de Janeiro
(que, por sua vez, subdividem-se em microrregiões). Segundo classificação do governo
do estado, o atual Conleste se distribui pelas regiões Serrana, das Baixadas Litorâneas
e Metropolitana. O governo do estado também divide o território estadual
De acordo
com Adhemar Mineiro, a visão que prevalece no BNDES, o principal financiador da
economia brasileira, é bastante otimista a respeito dos impactos positivos das
grandes empresas, por seu potencial financeiro, tecnológico, gerencial e de
mercado, entre outros, e suas sinergias, não apenas internas, mas também na
articulação com uma cadeia de fornecedores, distribuidores e prestadores de serviços
variados.
O
Conleste é um consórcio intermunicipal, criado em outubro de 2006, reunindo à
época as prefeituras de 11 municípios fluminenses: Itaboraí, São Gonçalo,
Niterói, Maricá, Tanguá, Magé, Guapimirim, Rio Bonito, Silva Jardim, Casimiro
de Abreu e Cachoeiras de Macacu. Em 2009, o município de Saquarema passou a
integrar o consórcio, seguido, em 2010, por Teresópolis, em 2011, por Araruama
e em 2012, por Nova Friburgo. Diferentemente dos convênios, os consórcios são
acordos celebrados entre pessoas públicas do mesmo nível de governo. Dos
consórcios celebrados entre pessoas públicas, os mais comuns são aqueles
pactuados entre municípios. O Conleste é um consórcio intermunicipal, dotado de
personalidade jurídica de direito privado, cujos lucros eventuais não são
repartidos entre os associados, mas reaplicados integralmente nas
atividades-fim, e sujeita-se às normas civis aplicáveis a toda e qualquer associação
civil, mas a peculiaridade de ser constituído por pessoas públicas, faz com que
as normas de direito público aplicáveis aos municípios consorciados (como
realização de concurso público e licitação) sejam igualmente exigidas do
consórcio, entidade civil (Fundação Prefeito Faria Lima – Cepam. Unidade de
Políticas Públicas – UPP, 2001), por regiões hidrográficas, que não
necessariamente coincidem com os limites municipais, e que são associadas à
criação de comitês de bacia, aos quais é atribuído o gerenciamento dos recursos
hídricos. Por este critério, os 15 municípios do consórcio estão inseridos em 4
regiões hidrográficas – Piabanha, Baía de Guanabara, Rio Dois Rios e Lagos São
João. De acordo com Pierre Boudieu, “o discurso regionalista é um discurso performativo,
que tem em vista impor como legítima uma nova definição das fronteiras e dar a
conhecer e fazer reconhecer a nova região assim delimitada – e, como tal, desconhecida
– contra a definição dominante, portanto, reconhecida e legítima, que a ignora.
O ato de categorização, quando consegue fazer-se reconhecer ou quando é exercido
por uma autoridade reconhecida, exerce poder por si...” (1989: 116, grifo da autora).
Para o
geógrafo Haesbaert, a importância da categoria região para a análise do mundo
contemporâneo se dá diante do entendimento de que há na atualidade uma contínua
redefinição de papéis, funções, conflitos e regionalismos, como consequência da
globalização e de sua inserção/influência desigual em termos espaciais (2010). A
iniciativa das administrações públicas daqueles 11 municípios (inicialmente) no
sentido de estabelecer e fazer reconhecer a região do Leste Fluminense veio a encontrar
reconhecimento, primeiramente, no Estudo de Impacto Ambiental (EIA) referente
ao licenciamento das instalações do Comperj no sítio principal em Itaboraí.
Estes
estudos devem estabelecer as “áreas de influência” dos empreendimentos, definindo
municípios que serão alvo de ações específicas para “mitigação” de impactos, e
geralmente de uma série de ações que podem grosso modo ser denominadas de “compensações
sociais e ambientais”. Minimamente, devem ser definidas áreas de 7. A divisão
do estado em regiões hidrográficas está associada à criação dos comitês de
bacia hidrográfica
“para
gerenciar o uso dos recursos hídricos de forma integrada e descentralizada, com
a participação da sociedade”, de acordo com o Instituto Estadual do Ambiente
(INEA - http://www.inea.rj.gov.br/recursos/comite.asp). Ainda de acordo com o
órgão ambiental estadual, esses colegiados, instituídos pela lei que
estabeleceu a Política Estadual de Recursos Hídricos (3.239/98), são compostos
por representantes do Poder Público, da sociedade civil e de “usuários de água”
e têm poder consultivo, normativo e deliberativo. A partir dos comitês, o
estado do Rio de Janeiro foi dividido em 10 Regiões Hidrográficas, “de acordo
com afinidades geopolíticas e as bacias que abrangem”. É função dos comitês de
bacias articular a atuação de entidades intervenientes, aprovar critérios de
cobrança e o plano de bacia, inclusive acompanhando sua execução.
Minhas
primeiras reflexões neste sentido e o levantamento das informações ocorreram no
âmbito da elaboração de parte do relatório Introdução ao Incid – Indicadores da
Cidadania, do Ibase, influência “direta” e “indireta”
Mapa 1 –
Área de Abrangência Regional do Comperj (primeiros municípios a integrar o
Conleste) – 2007 Fonte: EIA 2007. Petrobras/Concremat Engenharia O respaldo do
governo estadual veio a ser consolidado através da criação pelo governador do
“Fórum Comperj” – Fórum para o Desenvolvimento da Área de Influência do
Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro, em 2007, com vistas a criar ferramentas
de gestão e planejamento de políticas regionais. O Fórum Comperj é presidido
pelo governador e dele participam, como parceiros institucionais, todas as secretarias
do Estado, todas as prefeituras dos municípios integrantes do Conleste, a Assembleia
Legislativa, o Ministério das Cidades, o BNDES, a Caixa Econômica Para
compreender melhor o processo de licenciamento ambiental no Brasil.
Federal e
a Petrobras S.A..
Sob a
perspectiva de inserção em uma nova lógica de recorte territorial, impulsionada
pela instalação do Comperj e pela disputa pelos recursos a ela associada, outras
administrações municipais passaram a ambicionar a sua inclusão na região do Leste
Fluminense e, portanto, no consórcio intermunicipal que a representa. Em 2009,
o município de Saquarema passou a integrar o Conleste, seguido, em 2010, por Teresópolis,
em 2011, por Araruama e, em 2012, por Nova Friburgo. Hoje o Conleste é composto
por 15 municípios. O poder legislativo, além de integrar o Fórum Comperj,
também busca acompanhar e construir um posicionamento diante das transformações
do Leste Fluminense. A Comissão Especial para Discutir e Construir a
Interlocução com os Municípios que Sofrem a Influência do Comperj junto à
Petrobras realiza Audiências Públicas na Assembleia Legislativa do Rio de
Janeiro (Alerj) durante as quais têm voz organizações da sociedade civil destes
municípios, diante de uma mesa composta por representantes do órgão ambiental
estadual responsável pelo licenciamento e das empresas responsáveis pelas
diferentes partes do empreendimento (Petrobras, Comperj S.A., Transpetro).
Alguns legislativos municipais também procuram um posicionamento, através da
realização de audiências públicas sobre impactos mais específicos de seus
municípios, como, por exemplo, a audiência “Impactos do Comperj sobre a
Mobilidade Urbana no Município de São Gonçalo”, promovida pela Câmara de Vereadores.
Para além das iniciativas claramente impulsionadas pela Petrobras e pelos governos,
o setor industrial também expressa a consideração do Leste Fluminense em seus
planos. Anualmente, a Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (FIRJAN)
elabora uma pesquisa junto aos investidores públicos e privados sobre as intenções
de investimentos no estado. A última edição da pesquisa, publicada em 2010 e referente
aos projetos anunciados até o mês de julho de 2009, compila valor de investimentos
da ordem de R$ 126 bilhões em mais de 100 projetos. O estudo da Firjan identifica
4 “eixos de desenvolvimento” no estado: eixo Sepetiba (portos, rodovias e indústrias),
eixo Norte (Bacia de Campos e Complexo Logístico do Açu), eixo Sul (Usina
Nuclear Angra 3). O eixo leste está apoiado na construção do Comperj.
O desenvolvimento que pode ser induzido na região, de acordo com esta pesquisa,
“não se limita a indústria de fabricação de materiais de plástico. Há perspectiva
de um amplo espectro de investimentos no setor de serviços de apoio, além de
oportunidades no setor terciário e na construção civil. Cabe destacar, também,
a construção do Arco Metropolitano, rodovia que ligará o Comperj ao Porto de
Itaguaí”.
Conhecida
e reconhecida, portanto, por todas as esferas de governo e pelo principal
agente econômico das transformações vindouras – a Petrobras, além do setor industrial
fluminense como um todo, a região do Leste Fluminense surge intimamente associada
à criação da Comperj e ao seu papel na consolidação da cadeia produtiva do petróleo
no estado do Rio. A partir de então, genericamente tratado como “área de influência”
do Comperj, o Leste Fluminense passou a ser beneficiado por uma série de iniciativas
e “projetos” impulsionados pela presença da Petrobras na região. Entre eles,
por exemplo, figura o projeto “Objetivos de Desenvolvimento do Milênio –
Municípios do Conleste”. Segundo Caetano, este é parte de um projeto maior que
a Petrobras S/A vem empreendendo em diversos lugares do mundo com o objetivo de
monitorar os impactos de sua atividade industrial, segundo objetivos
estabelecidos pela ONU através do Programa das Nações Unidas para os
Assentamentos Humanos (UN-HABITAT) (2010: 11). O projeto visa alcançar estes
objetivos nos 11 municípios que originalmente compunham o Conleste. Para tanto,
foi constituído um banco de dados georreferenciado com informações
socioeconômicas e ambientais sobre a região.
O
trabalho culminou com o estabelecimento de 9 Objetivos e, para cada um deles, foram
acrescidas metas e indicadores específicos, somando-se 23 metas e 58 indicadores.
Além disso, de acordo com Caetano, desde 2007, são realizados anualmente
seminários para divulgação dos dados.
Outra
iniciativa da Petrobras no sentido de tratar como um conjunto os municípios do
Leste Fluminense foi a inclusão de 14 deles (os 11 primeiros, mais Saquarema,
Nova Friburgo e Teresópolis) no projeto Agenda 21 Comperj. O projeto resultou
em uma publicação que consolida o resultado de atividades que envolveram representantes
dos governos, do empresariado e de organizações da sociedade civil, e na formação,
em cada um dos municípios, de Fóruns de Agenda 21, que hoje constituem instâncias
de interlocução para tratar de assuntos referentes aos municípios. Falaremos mais
adiante sobre esta instância de “participação”. Além disso, a constituição e o funcionamento
dos Fóruns locais também contribui para a constituição de uma rede de pessoas
nos 14 municípios envolvidos, propiciando o fortalecimento de uma comunicação
intrarregional.
Nesta
direção, o projeto Indicadores da Cidadania (Incid), do Ibase, financiado pelo
setor de Comunicação Institucional da Petrobras, vem se somar a um conjunto de iniciativas
destinadas ao Leste Fluminense, abrangendo o mesmo conjunto de 14 municípios
beneficiados pela Agenda 21 Comperj.
A
produção de dados a respeito dos diferentes territórios que compõem a região do
Leste Fluminense, tratada como tal, corrobora e alimenta a necessidade de construção
de um discurso no sentido de reafirmar o estabelecimento desta divisão regional,
divisão esta impulsionada e sustentada pela instalação de um empreendimento da
magnitude do Comperj e fruto de negociações com autoridades governamentais de diferentes
níveis.
Analisando
historicamente as instituições políticas ocidentais, Foucault chama a atenção
para o surgimento da estatística, no século XVII e, no século XVIII, da economia
como um nível de realidade, um campo de intervenção específico do governo, e da
“população”, como alvo das ações do governo. Embora a arte de governar
estivesse ligada aos aparelhos de governo e ao conhecimento do Estado, desde
que um conjunto de saberes e análises – a estatística – adquiriu toda
importância no século XVII, Foucault afirma que a arte de governar (em oposição
à soberania, que tem um fim em si mesma) foi “desbloqueada” em conexão com a
emergência do problema da população.
Dali em
diante, “as técnicas de governo se tornaram a questão política fundamental e o espaço
real da luta política” (1996: 288).
Na
reedição do livro Comunidades Imaginadas, Benedict Anderson analisa a formação
de nações a partir das regiões coloniais do Sudeste Asiático e identifica três instituições
de poder que, juntas, moldaram a maneira pela qual o Estado imaginava o seu
domínio – “a natureza dos seres humanos por ele governados, a geografia do seu território
e a legitimidade do seu passado”: o censo, o mapa e o museu (2009: 227). Até
agora, foi possível observar que as informações produzidas a respeito do Leste
Fluminense não partiram do governo, mas foram fruto de iniciativas empresariais
(Petrobras, Firjan), que foram executadas em parceria com instituições de
conhecimento (universidades públicas) e da sociedade civil (Ibase, organizações
que integram a Agenda 21, etc.). Em todos estes conjuntos de informações, e
também nos bancos de dados oficiais (que não apresentam o recorte regional do Leste
Fluminense), a divisão por município é de importância cardinal.
O
município como instância territorial é a menor unidade de poder no âmbito da administração
pública. Com a Constituição de 1988, o município passou a responder pela gestão
de uma quantidade de recursos jamais antes vista. Modesto, em tese na qual analisa
a implantação de vários “projetos de desenvolvimento”, que envolvem agentes públicos
e privados de diferentes escalas, no município de São Gonçalo, identifica que passam
a vigorar “novas formas de fazer política que passam pelos incentivos fiscais, pela
qualificação profissional e pelo estímulo ao empreendedorismo”, e que as prefeituras
sofrem pressões destas instituições e passam a ter de se adequar a esse movimento
(2008: 197).
Ao mesmo
tempo, como unidade mínima de apresentação das informações pela maior parte dos
bancos de dados oficiais, a partir dos quais são elaborados os conjuntos de
dados especificamente dirigidos ao Leste Fluminense, são praticamente
inevitáveis as comparações entre os municípios que compõem esta nova região,
que passa a ser tomada como média para a avaliação de suas partes.
Estes
elementos, tanto da esfera administrativa – no sentido de decisões e planejamentos
de âmbito regional aos quais devem se adequar os agentes da escala municipal; e
no sentido da escala municipal como unidade dentro da qual devem se classificar
as organizações que queiram tomar parte na disputa por recursos e benefícios dos
“projetos” – quanto da esfera da produção de representações sobre o Leste Fluminense
e sobre as unidades mínimas que o compõem – os municípios – convergem no
sentido de adequar a ação de diferentes agentes, vinculados em diferentes
escalas, ao projeto hegemônico em processo de implantação na região.
Por outro
lado, a percepção dos grupos populacionais destes municípios a respeito desta
nova divisão regional parece ser, de uma maneira geral, de estranhamento, e
varia segundo a posição social e a localização destes grupos no território. Em
“visitas municipais” realizadas pela equipe do projeto Indicadores da Cidadania,
do Ibase, lideranças reunidas pelos Fóruns das Agendas 21 Comperj questionaram
a apresentação dos indicadores por município, desconsiderando as especificidades
de bairros, distritos ou localidades. Foi questionada, inclusive, a denominação
da região como Leste Fluminense. Em outra fase do projeto, por ocasião do
trabalho de campo para aplicação de questionários, foi possível perceber que,
para muitos dos moradores de bairros ou distritos afastados do centro urbano
(afastados pela distância física ou pelas más condições de transporte, ou
ambas) o nome do município é associado ao centro. Nestes casos, as pessoas se
identificam como moradores das localidades. Isto acontece, por exemplo, no
distrito de Duques, onde as pessoas se referem ao centro como “Tanguá”; o mesmo
acontece em Guapiaçu (localidade do distrito de Subaio), para cujos moradores
“Cachoeiras de Macacu” é o centro da cidade.
Esta
tendência se revelou ainda mais forte em Guia do Pacobaíba, que os moradores identificam
como uma localidade dentro de Mauá, ou Praia de Mauá. A referência a Magé como
município de residência requer de muitos entrevistados alguns segundos de reflexão.
Os
resultados da referida pesquisa quantitativa ainda estão sendo analisados, mas é
possível antecipar que, de uma maneira geral, os moradores percebem
desigualdades entre diferentes localidades dentro dos municípios no acesso a
serviços como saúde, educação e em relação às condições do meio ambiente – como
a qualidade da água, do ar, e a limpeza das ruas e praças. Ou seja, há uma
percepção difusa sobre a desigualdade no interior dos municípios.
De uma
maneira geral, no âmbito de uma pesquisa quantitativa que procurou captar a
percepção difusa da população de 14 municípios, através de amostragem, é preciso
notar que há uma percepção bastante otimista quanto à perspectiva de que haja mudanças
para melhor nos territórios pesquisados. Em localidades de municípios como Itaboraí
e Tanguá, essas mudanças foram diretamente atribuídas à implantação do Comperj,
segundo relato dos entrevistadores.
No
entanto, ao contrário das expectativas geradas na população, as transformações
pelas quais a região do Leste Fluminense tende a passar nos próximos anos podem
ser semelhantes àquelas enfrentadas por outras regiões onde se instalaram grandes
empreendimentos. Algumas destas transformações são consideradas típicas: “migrações,
com consequente estrutura demográfica atípica, composta por elevado coeficiente
de homens jovens; favelização, prostituição e criminalidade; espaços urbanos não
equipados; despreparo do poder público local, que faz concessões que enfraquecem
os cofres municipais e que assiste à ocupação não planejada das beiras de estradas,
rios, canais e encostas de morros e à consequente sobrecarga no uso dos equipamentos
coletivos, sem cuidar de sua ampliação e modernização” (Piquet 2007 apud
Herculano 2010).
Sobre a
região impactada pela exploração de petróleo offshore na Bacia de Campos, que
inclui municípios do Norte Fluminense e das Baixadas Litorâneas (Região dos
Lagos), Serra constata os seguintes aspectos: “fragilidade da norma de
distribuição dos royalties e participações especiais; contratação pelas
prefeituras de pessoas físicas e jurídicas de forma terceirizada (pela
impossibilidade de ampliar o quadro de pessoal com recursos do petróleo);
existência de processos de alocação dos recursos para fins distantes da
política de promoção da justiça intergeracional [alternativas econômicas para
quando o petróleo acabar]; financeirização das rendas petrolíferas (para
pagamento de dívidas com a União e capitalização de fundos previdenciários,
segundo as Medidas Provisórias 1869/99 e 2103/2001); facilitação para as elites
políticas e econômicas do processo de privatização de importantes fundos públicos;
falta de controle social destes recursos. (2007: 99)”.
Monié, ao
examinar as dinâmicas territoriais e culturais provocadas pelas atividades
petrolíferas no norte-fluminense, observou os seguintes aspectos: “o enriquecimento
de parte da população e o afluxo de trabalhadores pobres sem qualificação; o
surgimento de áreas de residência e de consumo de alto padrão social e a expansão
de bolsões de pobreza; o aumento das desigualdades intra-regionais entre Relatório
Indicadores da Cidadania – Cidadania Percebida, do Ibase, ainda em versão
preliminar e não disponível. campo e
cidade e entre centros urbanos mais ou menos inseridos na nova economia regional;
o caráter desigual das dinâmicas em curso; a implantação de uma cultura empresarial
moderna, que leva à necessidade da oligarquia tradicional reformular suas estratégias
para manter a hegemonia; novas estratégias residenciais e demandas por equipamentos
comerciais e culturais modernos.” (2003 apud Herculano 2010).
Análises
específicas sobre a cidade de Macaé, a “capital nacional do petróleo”, e frequentemente
acionada como exemplo negativo do tipo de “desenvolvimento” que se quer evitar,
apontam a seguinte situação: Houve sensível crescimento do emprego formal,
crescimento urbano e econômico. Este crescimento foi, entretanto, acompanhado
pela favelização, pela violência e tráfico de drogas e pela degradação
ambiental (principalmente poluição dos corpos hídricos). Não houve sequer
universalização da rede de esgotamento sanitário (Herculano 2010).
O papel
de Wilson Madeira Filho trata de elementos relacionados à divisão básica do
trabalho na indústria de petróleo e gás de Macaé, caracterizada pela criação de
novo contingente de assalariados com remunerações médias acima da média da
região, simplificação gerencial, desregulação do trabalho e terceirização. De
uma maneira geral, aponta como consequências a fragmentação sindical e o
aumento dos acidentes de trabalho. De acordo com este autor, desde meados dos
anos 90, a Petrobras tem optado preferencialmente pela não renovação de quadros
próprios através de concurso público.
Assim, há
3 categorias de trabalhadores na indústria analisada: funcionários próprios da Petrobras
(concursados) – trabalhadores “de elite”; funcionários terceirizados dentro da Petrobras
– trabalhadores no final da “cadeia alimentar”; e funcionários de outras empresas
do setor privado que prestam serviços à Petrobras – intermediários entre os primeiros
e os segundos.
Pode-se
supor que a região de implantação do Comperj possa apresentar análoga divisão
de categorias de trabalhadores a partir do início da sua operação. A fixação de
residência destes trabalhadores de diferentes categorias poderá contribuir para
reforçar as desigualdades intrarregionais, entre campo e cidade e entre centros
urbanos mais ou menos inseridos na nova economia regional, apontadas acima por
Monié.
A
comparação com os conflitos em torno da operação da Refinaria de Duque de Caxias
(Reduc) acrescenta elementos para a análise sobre a região do Comperj, visto tratar-se
de uma refinaria. Sobre a região onde foi instalada, em 1961, a Reduc, a tese
de Sebastião Raulino aponta conflitos em torno de obras pontuais – como obras
que causaram enchentes em determinadas ruas; conflitos com moradores em função
da precariedade dos bairros do entorno da refinaria; conflitos quanto ao uso da
água para fins industriais enquanto a oferta de água tratada para a população é
precária. No caso do Comperj, a dimensão do empreendimento é no mínimo três
vezes maior do que a Reduc, e os municípios mais próximos apresentam perfil socioeconômico
semelhante a Duque de Caxias, na Região Metropolitana do Rio de Janeiro.
Herculano
destaca o conflito em torno da vazamento da Reduc na Baía de Guanabara. Cerca
de 20 mil pescadores do entorno da Baía da Guanabara (Niterói, São Gonçalo,
Guapimirim, Magé, Itaboraí e, no Rio de Janeiro, as regiões do Caju, Ilha do Governador,
Marcílio Dias, Ramos e Paquetá) moveram ação legal no Tribunal de Justiça do
Rio de Janeiro - TJ-RJ, pedindo indenização por conta do vazamento de óleo proveniente
da Reduc no dia 18 de janeiro de 2000. A Petrobrás foi condenada em primeira
instância, mas recursos deram prosseguimento à questão. (Divulgado pela imprensa
na época, não haviam sido concluído seus trâmites.). Verbas indenizatórias do derrame
de óleo na Baía de Guanabara foram utilizadas na realização de seminário e pesquisa
sobre ambiente pela UFRJ.
A
percepção de participantes de organizações da sociedade civil e de movimentos
sociais a respeito da implantação do Comperj e das transformações a ele associadas
é distinta da percepção difusa revelada pela pesquisa quantitativa. Estas lideranças
apresentam pontos de vista mais críticos em relação às transformações vindouras
e procuram se articular para lidar com estas mudanças.
Os principais
conflitos, até agora, referiram-se ao questionamento, por parte de organizações
ambientalistas e gestores de unidades de conservação, da localização próxima a
áreas protegidas (APA de Guapimirim e Estação Ecológica da Guanabara, principalmente)
e da utilização de grande volume de recursos hídricos, em uma região 14
Giuliani chama a atenção para o fato de que, embora, do ponto de vista
empresarial, as razões da escolha de Itaboraí sejam as mais
"racionais" - a localização naquela área colocará o COMPERJ em
posição logística muito favorável: disponibilidade de terrenos baratos,
proximidade dos maiores centros urbanos, de terminais portuários, de
aeroportos, de refinarias e polos gases-químico, populosa e já caracterizada
pela escassez. Foram questionados, também, os impactos sobre os meios de vida
dos catadores de caranguejo da comunidade de Itambi, no município de Itaboraí.
Com o
avanço das obras, cresce a articulação em torno do Fórum Popular Comperj, que
reúne associações de moradores e pescadores atingidos pela construção do
empreendimento e organizações que procuram mobilizar a população com vistas às transformações
que estão por vir, tais como o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).
Este fórum realizou seu primeiro encontro em maio de 2012. De acordo com
representante do Sindipetro-RJ em entrevista, antes mesmo da implantação do
projeto Agenda21 Comperj, a Petrobras estimulou a organização de grupos e
associações dos 14 municípios a formarem conselhos comunitários: “Então
cada município criou um conselho comunitário do Comperj, que era composto de ONGs,
associações de moradores, rotary clubes, maçonaria, centro espírita, o que você
imaginasse, tinha. (...) Cada município tinha uma estrutura com 20, 30 –
dependendo do tamanho do município e da importância dele, ele tinha um número
maior ou menor de participantes nos conselhos comunitários municipais, que
juntos formavam o regional [Conselho Comunitário Regional do Comperj –
Concrecomperj]. Então a gente [Sindipetro-RJ] participou disso”.
Entrevista
com Edison Munhoz, Coordenador da Secretaria Jurídica do Sindipetro – RJ,
Secretário de Meio Ambiente da Central Única dos Trabalhadores (CUT-RJ) e
Coordenador Geral do Concrecomperj. Entrevista realizada no âmbito do projeto
Observatório do Pré-sal/Ibase, em abril de 2011.
A disponibilidade
de uma vasta malha rodoviária e, sobretudo, imediato acesso ao futuro anel
rodoviário Itaguaí-Niteroi – do ponto de vista da política ambiental do Estado
do Rio de Janeiro, “esta localização foi considerada absolutamente imprópria,
seja pelo Conselho Gestor da Apa de Guapimirím, seja pelo Conselho Gestor do
Mosaico das Unidades de Conservação da Mata Atlântica Central Fluminense”
(2008b: 11). Em 5 de maio de 2011, o jornal O Globo noticiava a construção de
barragem no rio Guapiaçu para abastecimento do Comperj, revelando a opção pelo
impacto sobre as áreas protegidas, diante das demais alternativas expostas até
então. O surgimento de uma alternativa melhor foi anunciada pelo Secretário de
Estado do Meio Ambiente, Carlos Minc, durante audiência pública realizada na Assembleia
Legislativa do Rio de Janeiro (ALERJ), no dia 30 de maio subsequente, pela
“Comissão Especial para Discutir e Construir a Interlocução com os Municípios
que Sofrem a Influência do Comperj junto à Petrobras”. A exposição de Minc teve
início com a explicação de que a água para abastecer o Comperj não pressionará
rios e lagos da região, pois será utilizada água de esgoto tratada. Eloise
Botelho, em Dissertação de Mestrado sobre conflitos na gestão do Parque
Estadual da Serra dos Três Picos, afirma que, ao reverter a análise dos
impactos negativos em positivos, o RIMA desconsidera o problema crônico da
questão hídrica regional e passa a responsabilidade de gestão dos recursos
hídricos, que é estatal, ao COMPERJ. Além disso, não é possível garantir que a
empresa responsável pelo empreendimento irá de fato atender às carências
regionais de abastecimento e saneamento. (...)
Segundo o
entrevistado, o interesse da empresa era obter uma certificação internacional:
“a Petrobras precisava dar uma resposta à ISO 1400018, que dizia que para ter
negociado na bolsa de valores de Nova York ações, você tem que fazer esta pesquisa
e garantir a participação popular, a aprovação, na verdade, aprovação popular neste
projeto.”.
N: Esses
conselhos comunitários surgiram então com o apoio da Petrobras?
EM: Sim,
com o apoio da Petrobras. Inclusive com dinheiro.
N: Com
dinheiro da Petrobras?
EM:
Através de ONGs de meio ambiente. Então, ela aproveitou isso também porque não
havia nesses locais a Agenda 21 na maioria deles, com exceção de 2 ou 3 municípios.
Ela criou a Agenda 21 para facilitar a aprovação de um PLDS [Plano Local de
Desenvolvimento Sustentável] que facilitasse o interesse da Petrobras. A
Petrobras uniu a necessidade que ela tinha de fazer com que houvesse, por parte
da comunidade, o controle social. Ela era obrigada a ter esse controle social.
Que pra ela, na verdade, o que interessava, era a participação desse pessoal
para referendar. Onde, nos momentos em que realmente houve participação
popular, e que se bateu de frente com a Petrobras, ela mostrou a verdadeira
face dela, que era de usar como massa de manobra, usar pra assinar embaixo o
projeto dela, as comunidades. Isso gerou um grande tumulto com o passar do
tempo, porque ficou bem claro que ela não queria muita discussão sobre o tema.
Ela queria ser referendada nas possibilidades dela e usar a Agenda 21 local, transformar
o local em Comperj, fazer um misto, onde os prefeitos usaram, sempre que eles
podiam, para colocar seus pares nesta Agenda 21 local. Isso gerou ações
iniciais, gerou mais conflitos, porque ficou muito claro que a ideia não era a
participação popular, a ideia era que, gente que tivesse interesse em comum com
o projeto, viesse a subscrever, a referendar a proposta da Petrobras. Isso
levou algum tempo para ficar claro.”
O
discurso desta liderança reforça a constatação de Acselrad de que os conflitos sociais
têm sido constrangidos “pelo estreitamento do espaço aberto para sua politização,
espaço onde os mesmo poderiam vir a ser trabalhados na perspectiva de ISO 14000
é um conjunto de normas desenvolvidas pela International Organization for
Standardization (ISO) e que estabelecem diretrizes sobre a área de gestão
ambiental dentro de empresas.
Uma
construção crescentemente democrática do território. (...) Tecnologias de
formação de consenso são então formuladas de modo a caracterizar todo litígio
como problema a ser eliminado. E todo conflito remanescente tenderá a ser visto
como resultante da carência de capacitação para o consenso e não como expressão
de diferenças reais entre atores e projetos sociais, a serem trabalhadas no
espaço público” (2004:29).
Como
chama a atenção Leite Lopes, a partir da etnografia de situações como as de
conselhos locais, audiências públicas e outras instâncias “participativas” é
que transparecem os “efeitos de dominação exercidos pela presença técnica de
expertise, bem como o abafamento e a falta de espaço de diálogo com o saber
leigo”. Mas ressalta que a “eficácia de conselhos locais de meio ambiente e de
programas de Agenda 21 locais geralmente depende da experiência da participação
política da população, de sua história de mobilização” (2004:29).
No caso
analisado, o entrevistado reconhece que “o Concrecomperj perdeu um pouco de
credibilidade e passou a ter uso político, partidário, pessoal que a gente tem tentado
no último ano, um ano e pouco, resgatar.” Mas vê o conselho como “uma ferramenta
social muito importante, muito boa, que pode ajudar a pressionar o interesse popular.”
Segundo o sindicalista, hoje estão mais à frente do Concrecomperj as federações
de moradores de Itaboraí, Niterói, São Gonçalo, Nova Friburgo e Maricá, bem
como os sindicatos. E enxerga ganhos na apropriação de alguns destes conselhos locais
por parte das comunidades: “Em alguns locais, esses conselhos criados pelo Comperj,
acabaram virando conselho comunitário local. Maricá é um exemplo. Friburgo é
outro. São Gonçalo é outro. Esse conselho do Comperj acabou virando conselho
comunitário municipal. Em Maricá, por ser conselho comunitário municipal... Ele
tem os sindicatos locais, o Sepe [Sindicato Estadual dos Profissionais da
Educação], Sindipetro, sindicato dos professores, e Sindisprev comunitário, que
tem base em
Maricá.
São 4 sindicatos, várias ONGs, ele acabou virando um conselhão muito grande.
Hoje não
é mais só do Comperj. Em Maricá, o procurador diz que nós somos um governo
paralelo. Ele tem tanto peso, é tão grande, tem tantas entidades de peso, que abava
virando quase... que fiscaliza o governo. A verdade é essa. Em alguns locais, infelizmente,
esses conselhos acabaram sendo trampolim para cargos políticos na prefeitura.
Outros não. Outros continuam sendo de luta, mas isso é uma coisa natural da vida.”
O
Concrecomperj também tem sido convidado a participar de diferentes conselhos
locais, o que é percebido pelo entrevistado como uma estratégia importante para
influenciar as políticas públicas de alguns municípios: “A gente tem sido convidado,
por alguns prefeitos que fazem parte do Conleste, para participar, por exemplo,
do Conselho de Saúde de Itaboraí, de alguns conselhos de meio ambiente municipais,
de conselhos de educação, de emprego e renda, para, através desses conselhos, a
gente participar do Conleste. É uma participação indireta, mas é importante.
Esses conselhos são o que dão, muitas vezes, embasamento para as ações da prefeitura.”
Finalmente,
cabe chamar a atenção para a organização e as prolongadas greves dos
trabalhadores da construção do Comperj. Trata-se de uma imensa massa de trabalhadores
temporários (de acordo com uma liderança ligada ao Fórum Popular Comperj,
18.632 trabalhadores, contabilizados na última reunião de negociação entre o sindicato
e os consórcios responsáveis pelas obras – maio/2012; no auge da obra, devem chegar
a 32 mil), cuja rotatividade depende das especificidades de cada parte que está
sendo construída, relacionadas no cronograma das obras. A imensa maioria dos trabalhadores
é do sexo masculino e metade é natural de outros estados do Brasil, especialmente
da região Nordeste, segundo informações da imprensa. São contratados por 9
consórcios, cada um deles formados por várias empresas, encarregadas da construção
de diferentes partes do empreendimento, segundo contratos de trabalho diferentes.
Realizando assembleias que chegam a reunir 10 mil trabalhadores, em um movimento
grevista que durou cerca de seis meses (dezembro de 2011 a maio de 2012, com
interrupções), os trabalhadores lutam, de uma maneira geral, pelo
estabelecimento de um piso salarial para os empregados de diferentes
consórcios, pelo direito de retornar para visitar suas famílias com passagens
pagas e mais dias de folga, pelo aumento do valor fornecido para as refeições
(devido à elevação do custo de vida no local), e buscam responsabilizar a
Petrobras pela situação de precariedade na qual se encontram. A presença desta
grande quantidade de trabalhadores traz mudanças para o sindicalismo local e
sua organização começa a estabelecer um diálogo com o fórum que reúne a população
local atingida.
De acordo
com uma liderança do Fórum Popular Comperj, organização que estabeleceu uma
relação de solidariedade com o movimento grevista, frequentando assembleias e
convidando trabalhadores para as suas reuniões, o “sindicato dos trabalhadores
da construção civil [de São Gonçalo] é filiado à CUT e não tem tradição de
grandes mobilizações ou mesmo paralisações, visto que eles nunca atuaram junto
a um canteiro de obra da dimensão do Comperj. Essa situação é visível com as
lideranças novas que estão surgindo durante esse período. A grande maioria
dessas lideranças não tinha nenhum vínculo com o sindicato.” Assim sendo, é
possível observar que o surgimento do Leste Fluminense enquanto região está
associado a um projeto hegemônico que reúne interesses governamentais e
empresariais em torno do posicionamento do estado do Rio de Janeiro e do Brasil
na organização econômica global. Grzybowski bem caracteriza esta conjuntura:
não “se trata de mudar substancialmente, mas de crescer e aproveitar-se do momento
do “Brasil emergente”, num mundo capitalista de desenfreada competição entre
conglomerados e países, onde uns sobem enquanto outros vão para o brejo”.
É
possível perceber na região estudada forças que convergem no sentido de adequar
a ação de diferentes agentes, vinculados em diferentes escalas, ao projeto hegemônico
em processo de implantação na região. Desse modo, governos, populações e
organizações locais devem adotar novos procedimentos – como o empreendedorismo,
a capacitação, ou o realinhamento e a articulação com outros atores – tanto
para colher os benefícios prometidos pelo progresso quanto para denunciar e
contestar seus princípios.
De que
maneira a criação do Leste Fluminense, de forma hegemônica, modificará as
condições, os modos de vida e os pertencimentos de seus habitantes?
Quais
segmentos da população local serão beneficiados pelo advento do Comperj e a transformação
do Leste Fluminense em uma região industrial? Experiências anteriores mencionadas
acima como a região do entorno da Reduc, a cidade de Macaé e a “região de
influência” da Bacia de Campos apontam para a ampliação de desigualdades no interior
destas regiões, com locais que tendem a se adequar às necessidades de novas elites
locais em contraposição a outras partes do território que passam a abrigar
bolsões de pobreza e de exclusão.
É
possível visualizar uma sociedade civil mais atuante no decorrer das obras e do
funcionamento do complexo? Ao mesmo tempo em que há incentivos à participação e
à formação de organizações, grande parte dos espaços criados neste sentido
tendem a privilegiar o saber de uma expertise em detrimento do saber leigo,
restringindo as possibilidades de participação efetiva de determinados grupos.
Além disso, as tecnologias de formação de consenso tendem a obliterar
contradições estruturais e vozes que se contrapõem ao modelo hegemônico. Por
outro lado, o acirramento das desigualdades e dos “impactos negativos”, bem
como perspectivas de articulação de grupos locais com organizações e movimentos
sociais mais experientes abrem novas perspectivas de lutas.
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